O Destino

Vejo ali no canto o Destino. Homem mudo, magro, cabelo preto lambido e um bigode igual o do Poirot, sentado numa poltrona Luís XV de veludo vermelho. Usa um robe bordô e me olha sempre atentamente com seus olhos negros. Não há como chantageá-lo pois ele olha através de mim para o futuro e é mudo: nunca me diria nada.

Reparo que, às vezes, ronda um riso-sorriso nos seus lábios. Em nada parecido com o da Monalisa. Os lábios. Lábios sensuais, atraentes. E deles nunca terei nada. E eu queria que eles, se não me contassem os próximos cruzamentos, pelo menos me explicassem os que já aconteceram. Ele brincca comigo. Ele sempre prepara as próximas surpresas com carinho e atenção. Quando me encontro próxima de mais um revés, ele sorri. Porque ele vê o que eu sequer desconfio.

Ele não me confiar as novidades e não ser passível de chantagem eu já entendi. Mas ainda me reviro na cama querendo que ele me confidencie as explicações. Já tem tanta coisa que eu não entendo… não quero não entender as brincadeiras dele. O Destino, este homem que me persegue, arquiteta encontros e desencontros que tiram o trem – eu que me conheço bem e me orgulho de ser tão dona de mim – dos trilhos violentamente. Acontecem os acidentes, o sinal do cruzamento que sofre apagão, o tropeço que rola a pedra que mudará a vida alheia. Este trem de pontualidade francesa, de tantas certezas e intuições. O trem que sempre sabe que vai. E mesmo assim eu olho aquele homem ali no canto, nossos olhares se cruzam e fixam.

Toca um saxofone suave, malemolente, sedutor. É assim que o Destino me atrai. Quando me aproximo, vem um violino arrepiante, atrás a me cutucar a nuca e me empurrar pra frente. O saxofone desaparece e já estou presa no som raivoso do violino que acelera o sangue nas veias. Não há volta.

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