Eu, do nada, perguntei: vamos jantar no Subway? E a resposta foi positiva. Mal sabia eu o que me preparava o destino. Lá fomos nós, conversa aqui, ali e chegamos na lanchonete. Às vezes eu esqueço o motivo de não sair em Joinville. Esta cidade me guarda surpresas impensáveis, até pra mim.
Abro a porta de vidro e um olhar me traz o passado. Eu com essa mania do sangue inglês de disfarçar o que sinto, vejo o dono daqueles cachos arregalar os olhos daquele jeito que, ó Deus, eu ainda conheço tão bem, virar a cabeça repentinamente pra fugir (com toda razão, como sempre) da memória do corpo (a melhor memória de todas), falar alto “sim, mas claro, azeitona” com aquela voz travada e o sotaque que, ó Deus, eu amei por tanto tempo e ficar revirando as mãos nervosamente, me evitando a todo custo.
E nós ali na fila, duas pessoas entre nós, meus olhos perscrutando enquanto os dele fugiam. Sempre fora assim, enquanto havia sido.
Tudo continuava igual, tudo, tudo. Bem, nem tudo. Ele usava tênis agora, não mais as sedutoras botas e o relógio era digital (estranhei muito isso) não mais de ponteiros. A pele. A pele estava bem mais marcada pelo tempo. Ele gosta do sol, um ponto em comum. Mais um. Ainda tinha uma caminhonete, ainda era casado (com outra, é verdade). E estava na cidade numa quinta-feira.
Eu me divertia, novamente (como sempre fora), ria do jeito assustado e fugidio dele. Falava com quem estava comigo com a cabeça em outro mundo. Igual como no passado. Eu ri à toa.
Sim, ele foi meu caso mais divertido. Ele foi o mais inspirador. Ele foi com quem mais aprendi. Foi ele o culpado por todos os meus planos daquela época – que fazem de mim o que sou hoje.
E ele ali, disfarçando, fugindo. E eu me divertindo. Ao sair, passando pela mesa deles somente aquela troca de olhar com um sorriso e um meneio de cabeça. E eu sorrindo.
Confesso que a volta para casa foi em suspenso. Minha cabeça rodava feliz pelas lembranças, o corpo adormecido de dias trancada em casa numa longa e quase interminável convalescença havia sido despertado por doces e aterradoras lembranças. Há muito tempo que eu não tinha nenhuma notícia dele nem sequer nos meus delírios imaginativos.
Eu me divertia lembrando de tudo. Postei o fato, resumidamente, lá no Facebook. Me divertia em lembrar e relembrar, em captar cada detalhe, como aprendi a fazer. Contei a uma amiga, testemunha dos fatos e companheira da época.
Faltou perguntar se ele continuava no mesmo hotel. Porque os dias haviam mudado.
Só os dias?
Eis que me pego pensando durante o banho: nada havia mudado. Ele que me havia aberto todos os mundos possíveis diante dos meus jovens olhos, estava ali no mesmo lugar, pelas mesmas razões, do mesmo jeito.
Um peso no coração me abateu. Foi por isso que há tanto tempo atrás eu havia tomado uma das primeiras decisões mais difíceis da minha vida. Ele estava ali. Se eu tivesse dito “sim”, eu também estaria ali, na mesma, do mesmo jeito. Eu não era mais a mesma. Não cresci, é fato, mas não envelheci. Sim, eu faria tudo novamente hoje. Tirando o peso dos anos (bem, neste caso acho que empatamos), eu poderia sentir a mesma coisa por ele e não sou do tipo que diz “eu não faria de novo”. Faria, com muito (mais) prazer. E, provavelmente, me divertiria muito, novamente.
E aí, cai água do chuveiro e eu penso que esta história resume o fato do fim de todos os meus (quase ou não) relacionamentos: o caminho. Terminei todos (e, sim, eu sou a má que é sempre quem termina os dito cujos) pelo mesmo motivo, caminhos diversos a serem seguidos. Difícil colocar isso em palavras. Todos eles chegaram naquele momento em que eu segui, eu desejava mudar, ir para a direita, esquerda, pra frente ou até pra trás e eles… bem, eles ficavam (e ficariam, mostrou o futuro ao se tornar presente) no mesmo lugar. Garanto que posso encontrar todos eles a hora que eu quiser porque continuam com a mesma vida, exatamente igual – talvez apenas usando um relógio diferente.
E foi isso, até hoje, que me fez seguir sozinha: o fato de querer (e precisar) seguir. Eu não poderia ficar para discutir qual máquina de lavar roupa comprar, ou qual a cor da cortina da cozinha. Eu não conseguiria. Eu não consegui.
Eu não disse “sim” (nem nunca consegui dizer) a um casamento e aos filhos quando este não era, ainda, o caminho que eu traçava.
Vejam só, eu vou do desânimo à euforia em um olhar.
Terminei todos eles até hoje porque não consegui estar ao lado deles onde eles ficavam, e eles, definitivamente, não me seguiram. E, por que, ó Deus, esse azar no amor de cruzar com esses homens que param, que ficam e não vão?! Seja para qualquer lugar, mas não seguem, param, se acomodam, se satisfazem. Por quê?!
Há um que não é assim. Mas o destino é tão sacana com os encontros e desencontros (muito mais estes do que aqueles) que acredito na doce ilusão de um dia nossos caminhos cruzarem de vez. Acredito somente na ilusão, pois sei que é (quase) impossível. E, às vezes, me dou ao luxo de acreditar no impossível.
E de toda a felicidade legítima que eu tive naqueles cachos, naquele sorriso e naquele sotaque me sobraram as lembranças divertidas. Por que o destino cruzou nossos caminhos tão despretenciosamente hoje? Não sei. E prefiro não pensar nisso (vejo chifre em cabeça de cavalo, diria meu pai). Comentei que eu pensaria, obviamente, sobre o incidente do dia. Mas que eu não deveria me deter demais no “pensar”. E não devo. Quem me conhece sabe que eu sempre faço o que não devo.
Ao lado da delícia de lembrar e, de certa forma, reviver aquilo tudo de um passado até que distante, veio uma tristeza agridoce por vê-lo ali, um ídolo de pés sujos na lama. Ele que podia tanto, ali estava. E nada mais. Como flecha me acerta a certeza da minha decisão repentina na época. E se eu tivesse insistido e dito “sim”, sei que hoje eu não estaria com ele e provavelmente as lembranças seriam amargas num encontro assim fortuito.
Por que esse azar no amor, ó Deus, de não cruzarem meu caminho no momento certo? Sempre o homem certo na hora errada. Sempre caminhos embolados, um no fim e o meu sempre dando voltas. Por quê?!
E aí veio a madrugada, o vinho, a música, os amores que já senti, o chocolate e saiu tudo isso daí, todos esses pensamentos provocados pelo banho, por aquele olhar, por aquelas lembranças.
Só posso dizer que eles nunca entenderam e nem entederão. Se aquele um vai se tornar realidade, só o destino sacana dirá. Se o azar no amor é esse mesmo, mais caminhos desencontrados virão. Cenas para os próximos capítulos.
E toca agora aqui “Non, je ne regrette rien”.
Nunca um sanduíche do Subway me fez tão feliz.
Como sempre, e como Jules, também sou fã! 🙂
E como curiosidade não mata a imaginação voa… Cadê o próximo capítulo?!
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Vocês já podem criar um clube! hahahahaha Peraí, minhas amigas sempre sabem dos próximos capítulos antes deles aparecerem por aqui, aliás, sabem principalmente os impublicáveis! Não é mesmo? 😉
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Texto delicioso. Ou melhor, memórias!
Descrevendo sentimentos exatamente como eles vem e vão.
Como sempre, sou sua fã.
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Eu tento! Já que não lido bem com sentimentos, me restam as palavras. Obrigada! 😀
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