Houve um tempo que os dias eram anotados ali no começo do caderno, todos os dias, na aula. Cidade, estado, dia, mês, ano. Ainda hoje anoto a data em cada dia de aula. Sempre houve o tempo em que os dias não importavam. Nunca me pergunte em que dia estamos, eu nunca sei. Não sei o dia, confundo o mês, não tenho idéia do dia da semana.
Porque há dias que num instante mudam a vida para sempre. E não estou falando dessas bobagens do dia do casamento quando você assina um contrato ou diz sim para um padre ou do dia na balada que pela primeira vez seus olhos se cruzaram. Falo de instantes que num golpe do Destino (sempre ele, o personagem ilustre que resolveu dar sua cara no ineditismo deste ano), alheios à toda e qualquer vontade ou ação sua, mudam tudo, sem volta, sem chance.
E aquele instante (é difícil lembrar a hora exata nesses casos) será lembrado ad nauseum pelo resto da sua vida, por você, pelo calendário, pelas pessoas a sua volta…
Pois eu não quero. Não quero lembrar que dia é hoje.
Houve um tempo em que era um arrastar-se sofrido e masoquista necessário a cada eterno retorno. Depois a superficialidade de um pensamento “evolutivo” me fez superar o masoquismo e quase dar uma resposta às datas tão marcantes e dolorosas. Não adiantou. Porém, já tive eternos retornos menos piores.
Eu não vivo datas. Esqueço fácil delas. Mas sempre terá uma anotação de aula, um amigo, um calendário a me lembrar. Não quero lembrar que dia é hoje, nem que dia foi há um mês, nem que dia será amanhã e depois de amanhã… Nem aqueles dias de aniversário… nem pensar em signos.
Não quero.
“Pois qualquer sofrimento Passa mas o ter sofrido não”
Como só Belchior me entende, fica aqui o registro de uma percepção tão rara e exata. O “ter sofrido” é a data, o fato, a marca. O “sofrimento passa”, você envelhece, cresce, ama mais ou menos, se decepciona, reaprende tanta coisa, pára e pensa “como seria hoje, depois de tanto tempo?”, se perde nos cálculos sem saber se foi em 2006 ou 2007 e por mais que de vez em quando alguém te diga que foi num desses dois, você volta a esquecer.
Talvez eu tenha levado muito a sério a idéia de viver o “hoje”, nunca lembro que dia será amanhã. Mas quando o hoje é um hoje que o Destino marcou a ferro, não me sinto na obrigação de reviver cada “ter sofrido”. Não sou obrigada, porém… ah! porém! Porém, queridos, quem controla isso?
Por isso digo: não, hoje não. Hoje não para nada. Hoje não para conversas, hoje não para telefonemas, hoje não para companhia, hoje não para ninguém.
Dias borbulhantes, com novas idéias, sonhos saindo da gaveta, caminhos dissertativos mais claros e amplos, salas escuras de cinema tão convidativas e aconchegantes para uma alma inquieta, efervescência de conhecimento que faz meus dias como gosto… só me falta alguém interessante. E inteligente, claro. Mas… deixa pra lá.
E entre dias tão (mas tão) interessantes, importantes e excitantes lá vem o calendário falar por si coisas que só o coração sabe. Não, hoje não.
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