Lia pouca poesia
E na hora da febre
Da loucura
Da dor
Era dos versos que precisava
Vasculhei prateleiras
Insinuei abater-me nas prosas
E não
Eram versos o que eu queria
Tinha pouca poesia
Prosa
História
Filosofia
Artes
Críticas
Confabulações
Sonhos antológicos
Tudo tinha
Poesia não
E aquela lombada fininha
Discreta e quase invisível
Salvou-me
Já havia passeado os olhos por aquelas linhas
Conhecera-o de um emprestado de uma amiga
Se era respeito
Hoje foi cumplicidade
E é assim
Não conseguia escrever
Nem tais nem porquês
E queria
Queria dizer
Queria sentir
Sem o quês nem por quens
Abro-o ao acaso
E é assim
Mais alto nos fala o que fala à alma
Era respeito pelo distanciamento
Foi cumplicidade pelo sentimento
Flores à pele
Revoltas ao coração
Surto à mente
Ele agora era cúmplice
Foi a flecha, menino
Flecha certeira, pobre de mim – não é assim?
Peço licença: “Agora queimo, e no peito vazio reina o Amor”
Se dizes, te digo eu que entoo o coro
Me aposso dos teus versos
São meus
Como um filho que damos ao mundo
Escrever é dar ao mundo aquelas palavras
– já não são mais nossas
Ceder ou lutar?
Lutar, sempre – te diria
Não confundas, não lutar contra – lutar por
Que se avive o fogo – que queime, destrua, lance labaredas visíveis a milhas
Que sopre o vento sul pela janela e o alimente
Há pessoas que passam pela vida
Sem perceber que o que alimenta o fogo
É o ar
Se sufocado, ele se extinguirá
Se os bois sofrem mais ao renegar o jugo
Venha dor, venha trabalhos forçados
Se fosse para
Entregar-se fácil
E evitar as dores
Teria arracado a flecha
Ou teria me lançado ao abismo para fugir da sua mira
Estenderei as mãos
Esfoladas e sangrentas
Já lhe aviso
E antecipo a rendição
Eis que só precisas de tempo – o tempo, não os ponteiros que giram
Mantenha bem atada a Boa Mente, o Pudor e as milícias – não os tenho como amigos
Faço festa entre iguais junto
Às Carícias, à Loucura, ao Furor e à Ilusão – somos do mesmo sangue
Se me amará ou eu sempre o amarei – pouco se me dá
Quebrei as bolas de cristal
O Futuro é a peça atrás da cortina
Desde que eu saiba meu nome
E onde conseguir água
Não quero conhecimento de nada
“Surgirão poemas” dirias tu
Rabiscos lhe entrego
Que não se tomem só beijos
Nem avareza
Sigam-se negações
Eu não faço objeções
Já disse
Do Futuro não quero palavra
Nem em verso nem em prosa
Talvez em promessas por carta
Ou ilusões em mensagens
Encontrei-te pela mão hábil do Destino
Esse velhinho, esse safado
Estou nas mãos dele
Fui flechada, atada, subjugada, amordaçada
Restava entregar-lhe o coração
E tu, mão amiga do Destino
Apostou-o num jogo
Entre palavras e mordidas
Não resisto – nunca
Às palavras e às mordidas
O meu Amor
Precisa de palavras – em verso prosa no embaçado do vidro
E de mordidas
Flechas não bastam
O menino que melhore suas artimanhas
Voltarás para as prateleiras
Dano feito
Estrago contabilizado
Feridas rasgadas
E um obrigado
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