A vida é feita de escolhas. Sim, é clichê dizer isso. Mas é sobre o que tenho pensado, principalmente em resposta a muitas coisas que me dizem e que ouço por aí.
Li dois textos que me fizeram matutar sobre o assunto, além de conversas aqui e acolá. Um era sobre como as pessoas vêem quem viaja e que gosta de ter uma mochila da Bolívia, uma sandália de couro do Ceará, e de ter ido ao Museu do Ouro de Sabará, ou de frequentar cursos disso e daquilo aqui e lá – como se os gostos te rotulassem como elitista (fui obrigada a lembrar da Lota de “Flores Raras”). Não raro nos rotulam de arrogantes, metidos (“amostrados”, diriam os cearenses), privilegiados. Aliás, sobre a alcunha “privilegiados” eu desejo escrever um post em especial. O outro texto é um bem lindo e exato sobre “namore uma menina que viaja”. Tive até aquela comoção leve ao ler este, pois me vi em tantas daquelas linhas. A dica é boa, namore uma menina que viaja. E se você não tiver espírito para isso, não namore-a, pois você acabará por fazer muito mal a ela.
Em algumas discussões e no meio geral, o branco que estudou em escola privada e tal é tido, hoje, como privilegiado. Ainda tenho dificuldades em entender o raciocínio, mas não vou adentrar em questões sociais e políticas. Já andava traumatizada com essa questão de “privilegiada” por ser assim branquela e tal quando, ao comentar com uma pessoa sobre o meu apreço especial por viajar, eis que ela me diz “você é privilegiada”. Engasguei com este “privilegiada” (para ter uma idéia do engasgo, a conversa foi meses atrás). Privilegiada? Sério?
Aí uma amiga muito próxima, numa conversa (somos ambas bem francas, grossas e abertas, então as conversas não são floreadas e tal) na qual eu tentava animá-la (coisa, aliás, que faço com frequência), me disse “pra você é fácil”, porque ela dizia que precisava viajar para fugir e eu tentava fazer com que ela lembrasse que não adianta porque nunca fugimos de nós mesmas. Sabe, aquilo quase me doeu (não sou de ficar de mimimi). Pra mim não é fácil tanto quanto não é privilégio.
Sabe o que é, então? São as escolhas. Ninguém sabe do que, diariamente, eu abro mão para alcançar a realização de sonhos e empreitadas (algumas, a maioria até, de longa data). Porque eu nasci sabendo sonhar, e aí apanhei bastante para aprender a realizar esses sonhos – caso contrário, eu viveria insatisfeita, infeliz, raivosa com tudo e todos. É preciso escolher em tudo na vida. Com homem, por exemplo, você escolhe um e abre mão de outro (sei que tem quem pega mais de um ao mesmo tempo, confesso que comprovadamente não tenho muita capacidade para isso). Você escolheu esse, então terá o convívio com ele, do jeito que ele é. E vai abrir mão do outro que, sei lá, beija melhor, dança, tem olhos azuis, não tem mãe, mora em outra cidade. Nas escolhas já vem embutido o que você terá que “pagar”. E por isso escolher, tomar para si as rédeas da tua vida, é tão (mas tão) difícil.
Conheço quem não abre mão de um sapato de salto que custa seiscentos reais. Tem aquele que sai pelo menos três vezes por semana para sair para beber e comer (cada uma das saídas não custa menos que cento e cinquenta reais). Tem quem só usa roupa de marca. Tem quem pode fazer tudo isso e muito mais porque pode pagar por tudo. Ótimo! Tem quem acha que viajar é ir pra Natal, ou Porto Seguro, pela CVC ou tirar foto no Coliseu (aquele auto-retrato, sabe?) ou uma foto da Torre Eiffel vista lá de baixo (já vi tantas dessas e me pergunto: não dá pra subir? Porque nunca vejo fotos lá de cima. Confesso minha ignorância.).
Conheço quem não abre mão de andar de carro. Quem faz e fez de tudo pra ter uma casa/apartamento. Tem até quem compra coca-cola de latinha pra tomar em casa. Sei lá, quando falo de escolhas estou me referindo a modos de vida mesmo. Abrir mão das coisas não é nada fácil. Quem me conhece bem (mas bem mesmo) sabe que a primeira coisa da qual eu abro mão é do conforto. Sou super sem frescuras – e até tenho dificuldade para aguentar gente que é cheia de frescura, é verdade, mas eu tento.
Eu não abro mão de viajar. Se para isso terei que abrir mão de tantas outras coisas, farei com o maior prazer. O mundo aqui do Sul e Sudeste é muito caro. Sair para jantar é caro. Ter carro é caro. Beber, então, é caríssimo. Sim, abro excessões – cada vez mais raras. Foi o que sempre achei de ir ao cinema, que é muito caro. E por muito tempo na minha vida não frequentei os cinemas. Sou super fã de assistir a filmes em casa. De vez em quando me dou ao luxo de num dia de oferta e sala vazia ir ao cinema para deixar a alma flutuar no escuro diante da telona. O mundo por aqui é muito individualista, egoísta, intolerante. Eu prefiro andar de ônibus, é sempre uma experiência interessante. E também já é caro. Ando à pé, de bicicleta. Bebo em casa e sozinha – atualmente por alguns bons motivos.
Você não me verá em baladas nem em casas noturnas caríssimas – aliás, nem de graça. Às vezes digo pra alguém “vamos sair” e a pessoa logo me responde “não posso, estou sem dinheiro”. Pô, mas pra ir pra praia ou pra trilha precisa só do dinheiro do busão (porque eu sou farofeira, sempre tenho comida na bolsa). Aliás, no texto sobre namorar uma menina que viaja esse era um dos pontos: ela sempre terá comida e água na bolsa – porque sabe que a vida pode dar voltas, atrasos e recomeços. Já viajei com a roupa do corpo.
O problema é quem escolhe ter carro, sair toda semana, comer fora, comprar computadores, celulares e tablets de última, andar com roupas boas e caras e afins e não conseguir tempo ou dinheiro para aproveitar outras coisas da vida – vivendo eternamente insatisfeito, invejando e criticando quem leva outra vida. A minha vida não é melhor do que a de ninguém – muitos, se a conhecessem, diriam que é bem pior do que a da maioria. Mas, olhando de fora, é fácil apontar “privilégios” ou “luxos” e “facilidades” que não existem.
É só parar e se perguntar: o que eu realmente valorizo? Do que eu posso abrir mão por coisas que me importam mais? Eu mesma não abro mão de algumas coisas e pago por elas. As escolhas têm seu preço, incindindo principalmente na nossa felicidade e no sentimento de realização pessoal.
Escolher dedicar-se aos estudos por mais tempo também tem um preço. Você paga em tempo, noites sem dormir, dores de cabeça, irritações, “apertos”. Não é um luxo. Quando você escolhe estudar, trabalhar, namorar, ter casa, tudo ao mesmo tempo, vai abrir mão de muita coisa, ou pode abrir mão de alguma dessas e ganhar outras. Para quem escolhe profissões ou carreiras menos comuns (vide as “artísticas”) isso é muito mais evidente. Há sempre aquele momento quando você precisa acreditar no que faz, dedicar-se de corpo e alma, abrir mão de meios facilitadores e confortáveis, e seguir. E nenhuma escolha é fácil.
Eu bem que poderia passar a vida viajando (não sou daquelas que diz que viajar é bom mas voltar pra casa é melhor) e escrevendo. Isso me bastaria. Hoje ainda não posso. Quem sabe um dia. Então, vou fazendo uma coisa aqui, outra ali, abrindo mão disso e daquilo que não me importam de verdade, às vezes até abrindo mão de coisas que me fazem um tantinho de falta, para conseguir encaixar essas coisas que amo e que me são essenciais. Nessas escolhas diárias vou mantendo fé naquilo que quero ter lá na frente – que pode ser viver viajando e escrevendo, quem sabe. Amanhã sei que estarei diante de escolhas que poderão mudar este possível destino final – e essa é a parte mais gostosa da vida. Escolhas são meios, se você não sabe para onde vai tudo fica bem confuso e difícil.
Eu escrevi ali “coisas que amo” e queria dedicar um post todo só para o amor. Passei dos vinte anos e já sei o que amo. Porém, sei que posso vir a amar outras coisas que hoje ignoro. Amor mesmo, no sentido literal, filosófico, poético, o incondicional, sem o qual você não pode viver, que é tudo, te completa, te faz feliz. No meu caso não é um “alguém”, por exemplo. Sei quais são as coisas que amo, incondicionalmente mesmo, e por elas guio minhas escolhas e abro mão do resto. E, bem, quem não conhece o amor não pode mesmo fazer boas escolhas nem ser feliz. Viram como não é fácil?
Eu amo o tempo. Amo como ele sempre faz tudo tão bem. Amo o nosso relacionamento tempestuoso. E foi o tempo que me ensinou tão bem o valor e o peso das escolhas.
Não critico as escolhas dos outros. Mas que tem muita gente errando por aí porque não sabe o que ama, ah, tem! E também tem muita gente que já sofreu pra caramba até perceber que só seria feliz ao escolher de acordo com o que ama – sou particularmente admiradora de algumas dessas.
Ainda hoje me disseram que o lugar onde moro é pequeno. Realmente é. Com ele aprendi a ter uma vida mais leve, menos acumuladora. Este ano cometi desapego até com as bolsas. Fui me desfazendo do que não preciso, do que não quero, do que não me faz feliz. Foram cartas, roupas, sapatos, bolsas, utensílios de cozinha, papéis, muita coisa mesmo. Não quero tudo. Mesmo se eu fosse dessas pessoas que têm dinheiro o suficiente para ter tudo o que querem, sei que eu não seria assim. Certos excessos me desgastam espiritualmente. Sou feliz onde moro pela localização, pela vista da varanda, por ser pequeno e me ensinar com isso, por me permitir ter uma rotina tão “econômica”. Nem TV a cabo eu tenho – se for para “ver”, prefiro ver com meus próprios olhos. E é assim que eu percebo e ouço tantos comentários reprovando minhas escolhas.
Estou aqui com uma lista de exatamente sete coisas sobre as quais terei que fazer escolhas. O tempo corre e tenho que cumprir prazos de escolhas que já fiz. A conta bancária suspira saudades. As malas vivem feitas e desfeitas. As últimas escolhas se mostraram fantásticas e com bônus sobre algumas das escolhas da lista que citei acima. É uma sensação boa demais. São realizações pessoais das quais não vou abrir mão. Hoje nada estragaria minha felicidade, nem uns tetos que balançaram. E eu garanto que não há privilégio nem facilidade nenhuma em nada disso.
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