Eu preciso escrever. Começo assim. A necessidade, neste caso, une-se ao desejo. Porque é o único sentimento do qual tenho certeza nos últimos tempos. Certezas não são boas amigas. Ando mal, também, de boas amigas. Aí quis escrever sobre literatura, como é esse caminho inconstante de querer assumir-se escritora, como vejo desvalorizado o árduo trabalho de criar com palavras. Quis começar mais um livro de contos, tive a idéia lá no alto da Serra, diante de um dos cenários que mais marcaram minha infância. Quis escrever sobre cinema brasileiro, ao fim do ano no qual mais assisti aos filmes daqui. Pensei em me derramar em mais declarações e apontar críticas ferrenhas à Ilha. Escrevi e reescrevi, mentalmente, tanta coisa. Fato é, e fatos nunca são úteis para a escrita, que dezembro chegou prometendo – não, não… fui eu que criei mil expectativas – e ficou assim tão… confuso. Baixou uma bipolaridade inexplicável neste resto de ano. E não pode. Não dá. Eu não poderia estar assim. Não sei se é essa coisa da proximidade do natal. Meu relacionamento com o natal é cheio de altos e baixos – mas debaixo da árvore já há vários pacotinhos e as perspectivas são boas.
Acontece que subi e desci serras, vi e ouvi e senti muitas coisas boas. Mas aí… algo aqui dentro não se encaixa. Stendhal, meu amigo, riria descaradamente de mim. Mas antes que ele dissesse que eu não tenho cura – como aquela minha amiga – e antes que os tarôs continuem a me dar esperanças, eu queria colocar a cabeça no lugar. Nunca levei sorte no amor. É, pois é, digamos que não é pra mim. E nem o Thiago Lacerda numa cena de amanhecer na cama e com as falas mais lindas do mundo, na novela, vai me fazer desacreditar na minha sina. Pensava em quanta coisa além desse tal amor há de mais forte e bonito na vida. Passei dias relembrando, com um aperto estranho no peito, em certas pessoas que conheci este ano, em certas coisas que aconteceram. Me senti, de algum jeito, bem próxima do impossível. Sim, porque eu sempre duvidei dele. Contudo, sobre o amor… talvez o impossível lance suas garras. E eu pensei pra caramba sobre isso. E aí lembrei que eu dizia (Stendhal gargalharia sem dó de mim) que amor não acaba, porque se acaba é porque nunca existiu. Dezembro, é tua culpa, tua bipolaridade atraiu minha confusão. E eu confusa, me perdoem a palavra, corro o risco de fazer merda. Pensei, também, que eu me antecipo aos fins porque acho menos doloroso. E, então, talvez tenha chegado a hora. Cheguei ao cúmulo de pensar que nos tempos que estou sozinha é que sou mais feliz e que minha vida vai pra frente, que os tempos ruins e difíceis foram sempre quando estava com o coração ocupado – e, definitivamente, não preciso disso agora.
Esses dias ainda, entre tanta atribulação, disse pra mim mesma que tenho plantado tanto, mas tanto, que deveria mudar de vida e virar agricultora. Se só vou colher ano que vem? Provavelmente. E ainda há tanto a ser plantado… Eu detesto dizer que estou cansada, e detesto mais ainda ouvir isso. Não gosto e não digo mais. Fiquei pensando se não era o caso, se não estou cansada. Acredito que não… e aí só me resta dizer que estou confusa. Stendhal chegou a me deixar confusa. Meus sentimentos – e principalmente a ausência deles (ou pelo menos como eu esperava que eles se mostrassem) – me deixaram confusa.
O prêmio deste ano vai para o “até quando dá errado, dá muito certo”. Esses dias voltava para a casa ali pela Costeira e sorria sozinha, tarde da noite, porque tinha, novamente, passado por isso. Não ousei dizer, este ano, “deu errado”. Não tem um ditado (sou péssima com ditados também) “Deus tira com uma mão e dá com outra” (ou estou viajando muito?)? Me senti assim. Passei a olhar a vida bem melhor. Sei que não foi só este ano, já tinha começado a ver as coisas assim faz um tempo. Tanto é que ano passado ouvi um dos top 5 da lista de elogios, pois me chamaram de otimista. Quem, me digam quem, neste mundo me chamaria de otimista?! Pois é… Tive aventuras sensacionais este ano, caí em problemas homéricos, vivi situações inesperadas, e mantive a calma, o otimismo, a cabeça no lugar e dei um jeito (ainda melhor) em tudo. Num outro dia que vinha de bicicleta pela Costeira, fui subir na calçada numa curva e a bicicleta caiu. Eu nunca caí de bicicleta, ela já caiu umas três vezes. Eu só caio em pé. Pensei bastante nisso, nesses dois pontos. Relembrei aquela canção “eu tô de corpo fechado”. Faz todo sentido.
Aliás, queria escrever sobre elogios também. Como tenho dificuldade com eles. Dificuldade absurda. Fiquei analisando e nunca recebi muitos elogios – ou quase nenhum. Sei que desde criança até uma boa idade elogios não faziam parte da minha vida. Deve ser por isso a estranheza com que os recebo.
E como é que de tanta coisa boa, dezembro chega assim… confuso, me impedindo de trabalhar, de escrever, de sentir? Minha impulsividade natural me salvava da confusão. Sempre quero, faço, vou. Se eu realmente contasse algumas coisas, não seria só Stendhal a rir de mim. Ao assistir um classicão hollywoodiano (eles me ajudam muito em todas as horas), com um roteiro genial e das melhores coisas escritas para cinema até hoje, fiquei matutando sobre as pessoas boas. Confusão é bom porque acabo pensando ainda mais do que o normal. Pessoas boas que não vêem o mal que fazem. Como nós acabamos pensando tão bem de nós mesmos, ponderamos nossas ações e sempre agiremos, em vários momentos, de forma não condizente com os valores que prezamos e alardeamos. Lembrei do Pirandelo (acho foi num livro dele), quando um personagem dizia que não percebemos o mal que fazemos no bem que pensamos fazer. Não é um ditado também, que de boas intenções o inferno está cheio? Por essas e outras que um dia resolvi ser uma pessoa ruim. Não cometer maldades necessariamente, nem foi da vez que decidi que bateria antes de apanhar (depois de já ter apanhado feio na vida). Mas ser uma pessoa mais fechada, menos agradável, menos solícita, nada simpática, nada prestativa. Desconfio que o êxito não foi completo e para meu receio a resolução arrefeceu nos últimos tempos. A vida tem me dado tanta coisa boa, acho que comecei a querer retribuir. Ainda não sei se é uma boa idéia. Duvido que seja.
Pensei, também, que as pessoas deveriam aprender a pedir desculpa (aquela verdadeira e sincera). Tenho sérios problemas com quem pede desculpa a torto e a direito. Uma vez minha irmã me disse que a gente só deve pedir desculpa quando se arrepende mesmo do que fez e quando não fez por maldade. Pra mim isso serve como definição. Mas, sabe, tanta gente já me fez mal… não lembro de nenhuma que tenha chegado e pedido desculpa. Assim, simples, só “desculpa” e basta. Eu também já fiz mal a algumas pessoas e não lembro de ter pedido desculpa. Aliás, depois da definição da minha irmã, raramente pedi desculpa na vida. Coloquei-a num altar, com um valor inestimável. E, talvez, eu ainda esteja esperando que algumas certas pessoas venham me pedir desculpa. Eu, de coração aberto, aceitaria e as desculparia. Sinto que isso torna a vida tão mais leve e bela. Eu aqui queimo pestana me decidindo se devo fazer o mesmo.
Viram só? Escrevi, escrevi e não disse nada. Pois é. A situação tem se agravado. Nesse meio tempo até tomei decisões drásticas sobre o tal amor (Stendhal, segure as piadas). Mas, como o tempo não urge neste caso, vou protelar mais um pouco… porque, enfim, acredito que o tempo tomará melhores decisões do que eu. Senti falta de boas conversas nos últimos tempos. Eu sou a pessoa que eu conheço mais vendida por uma boa conversa. Queria conversar sobre o mundo, sobre aquele filme, até sobre o Stendhal, quem sabe, sobre o impasse da dissertação (eu reclamando que não estou escrevendo, quem dera fosse só sobre essas coisas da vida! a vida, aquela, tem prazos!), sobre política, sobre certas coisas que me marcaram muito este ano. E, bem, nem na minha agenda eu tenho escrito. Sento lá fora, um cachorrão de cada lado, vejo o céu multicolorido, as orquídeas, os maracujás no pé e a cabeça fica assim, distante… Se alguém encontrá-la por aí, avisem que o corpo está ansiando sua volta. Ela que retorne bem, alegre, cheia de idéias, mas que não se preocupe porque na ausência dela o corpo não tem padecido, ao contrário do que diz aquele outro ditado.
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