Bebia um acerola com laranja no balcão. Na esquina, via o calçadão a perder de vista. Pensava. Gestava meu tempo. Tempo, tempo, tempo. Finalmente havia encontrado onde acerola com laranja não era de polpa. E a idade, de fato, me deixara ainda mais exigente. Via a esquina. Pensava. Centrava minha vida naquele balcão: fora do teto, sol calor, três vias à disposição. E meu desejo era permanecer naquele balcão. Pensava. O temporal do dia anterior fora pontual: às 18 horas. O calçadão virara uma cachoeira. Os ônibus que dobravam a esquina da rua lá de baixo seguiam uma rua que desaparecera sob a água e faziam ondas. Ondas sempre me lembram o mar. Mar sempre me lembra a vida. A roupa encharcara antes da esquina, eu temia pela integridade dos objetos na bolsa. Sobrevivi sem nem uma bela dor de garganta. Pensava. Se eu não sabia o que fazer com o meu tempo, o que eu estava fazendo com a minha vida? Não era bem assim… pensava. Quantas vidas eu tinha – hoje, só hoje, durante o tempo deste copo de acerola com laranja? Pra que tantas vidas? Eu preferia assim. Eu gosto delas. Quando se escolhe seguir vários caminhos ao mesmo tempo demora mais para chegar onde se quer. Tem quem prefere os caminhos às chegadas. Mais ou menos como é o sexo. Pensava. Calor absurdo para aqueles dias. Absurdos atraem absurdos. É a parte boa da vida. Pensava. O copo quase vazio. Quando era uma só, um desejo, uma casa, uma cidade, não era feliz. Quer dizer, era feliz mas vivia tragada pelo escuro. O escuro em nada se parecia com o céu lá fora – hoje ele exigia ser contemplado. Os paralelepípedos brilhavam. Eu queria seguir os três caminhos que surgiam naquela esquina. Pensava. Não havia mais acerola com laranja. Dizem que é preciso planejar. Não sou boa nisso. Lá iria eu pela direita da esquina. Daria a volta pela rua de cima, desceria pela segunda opção e seguiria pela terceira. Alegremente. Ansiando absurdos. Como ontem durante o temporal, tremendo de frio disse para mim mesma: sorria.
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