Naquela noite eu fui acordada três vezes. Era o celular que exigia ser recarregado. Estiquei o braço e achei por bem desligá-lo – seria melhor para nós dois. Logo cedo tive que, enfim, ligá-lo e colocá-lo para carregar, fulano vai não-sei-onde, pode precisar telefonar e tal. Mas minha sina mesmo era a geladeira.
A geladeira, vistosa por fora, pequena por dentro, é mandona. Se eu deixo a porta aberta por muito tempo – e é ela quem decide sobre o “muito” – ela começa a apitar. Um apito chato e irritante que fez dela minha inimiga. E hoje, logo hoje, acendo a luz da cozinha, pois mal amanheceu, e ela está com a porta aberta – uma frestinha de nada. Como ela não gritou furiosa ao desavisado que não fechou-a direito?! Madrugada, silêncio, alguém teria ouvido aquele bip insuportável. Mas, não. Ela prefere apitar só quando não precisa – nas horas que eu passo diante dela, arrumando potes e mais potes nas prateleiras mal desenhadas onde não cabe nada.
E hoje é dia de trabalho atrasado. Faço um chá e sento em frente ao computador, enquanto ele liga, arrumo uma papelada. Vejo que é a data de um prazo importante. Abro o arquivo que devo revisar para enviar por e-mail. Me abaixo para pegar a caneta que caiu e esbarro o ombro na escrivaninha. Com a trombada, o computador pula e desliga sozinho. Tento ligá-lo, sem sucesso, pelas próximas horas. Há meses levei-o na assistência: ele não tem nada de errado. Parece que tornou-se sensível à violência, a qualquer gesto brusco da minha parte ele desliga sozinho e se nega a voltar.
Depois do almoço, decido assistir um pouco de TV. me interesso por um programa sobre pesca de baleias no Caribe. Do nada, a TV me avisa que vai desligar em sessenta segundos. Não adianta fazer nada, a fábrica disse que é um dispositivo de segurança. Imagino que devo ficar feliz: tenho uma TV que se preocupa com a minha segurança.
Preciso sair para fazer um exame de rotina. Nem me incomodo com o som do carro que não obedece à ordem de repetir aleatoriamente todas as músicas do CD antes de repeti-las: já perdi essa guerra. Chego à clínica com vinte minutos de antecedência – levou dois meses para conseguir marcar o horário. Depois de passados cinquenta minutos do horário marcado, uma moça simpática avisa que os exames serão cancelados porque o aparelho apresentou problema nos cabos. Eles telefonarão para remarcar, pois da última vez a manutenção levou vinte dias. Chego no carro e a partida automática trava. Fico uma hora tentando. Ligo para a assistência e eles me dão um prazo de duas horas – “o sistema está com problema, a senhora entende…” – desisto e sigo a pé para casa.
Chego em casa e decido fazer um bolo para salvar o dia. O liquidificador é antigo, a tomada é nova daquelas de três pinos. Nunca três pinos despertaram tanto ódio no mundo. Procuro por todo lugar e nada de adaptador que sirva. Desisto. Vou para o banho como uma condenada. Hoje fez calor. Ontem fez frio. Para o chuveiro, pouco importa. Ele tem seis temperaturas, e ele mesmo quem escolhe em qual delas eu devo tomar banho – ainda esperançosa eu fico longos minutos girando o regulador da temperatura: em vão. Tomo um banho escaldante e saio suando do box.
Já é tarde, eu cansada, vencida, obrigada a ser feliz por estar protegida de todos os riscos. Deitei e sorri. Na terça-feira haviam ligado avisando que por manutenção na rede, a energia elétrica será desligada no domingo das sete da manhã às duas da tarde. Sonharei com esta promessa.
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