Duas graças

No fim de tarde diante do mar, aquela pequena praia escondida e tão familiar, chega o vento sul rasgando-se por entre a proteção de rochas e morros e traz consigo ondas tão grandes como raras vezes são vistas por ali. Duas meninas, mas, o que digo eu? Já não são meninas, meninas moças, talvez, como dizia minha avó. Também minha avó que já se foi parece tanto tempo… Moças, então, quem sabe. Não é pra tanto, ainda não levam este troféu. Jovens prediz muita responsabilidade – que elas ainda não têm. Adolescentes, então, que a vida hoje prefere termos clínicos para determinar os vivos.

Duas adolescentes, como ia eu dizendo, vêm desabaladas a dar na areia. No cantinho junto à restinga, tiram alguns pertences e os amontoam. Riem. Riem desenxabidamente. Riem – e é aí que penso que retratam a adolescência, os jovens, as moças e as meninas: tudo ao mesmo tempo com um único gesto. Arrumam-se a fazer uma da outra de espelho de si; puxam as cabeleiras, ajeitam o biquíni, ajustam o shorts (que uma delas só usa). Correm, ainda rindo, em direção ao mar de ondas, para o padrão da praia, altas. Entram como se não sentissem a água gelada do início – imagino eu que não sintam posto que ainda riem. Uma delas mantém o braço esticado (bem esticado) para cima, a fugir da água. É que ela segura um celular, não desses smartphones que nos obrigam a todos a ter, é um mais simples, mais usado, menos complicado.

A cena se desenrola por muito tempo: uma estica-se para salvar o celular da água, de frente para as ondas, enquanto a outra se desmancha em poses e mais poses para a sua fotógrafa. Curiosamente, vejam se vocês não ficam curiosos com isso como eu fiquei, ela (a agora modelo) já não sorri mais. Joga o cabelo para um lado, para o outro, faz biquinho com os lábios, testa um perfil, depois o outro, endireita os braços pra cá, atira-os ao alto, empina os seios – mas não sorri mais. E assim elas revesam o celular (e a mão, não estaria molhada?) e a modelo.

Eu já não tenho mais idade para ser chamada de moça, talvez. Nem de menina ou quiçá adolescente. É sempre possível percebê-los andando por aí: riem desabridamente. Riem. E aquelas duas ali na água a esconder, nas possíveis fotos (as condições não eram das melhores, convenhamos), o cartaz da sua idade e segurança. Não entendi e talvez não venha a entender, pois na minha adolescência eu não tinha essa cobrança social de exibir o tempo todo o que fazia, onde ia, com quem, como me sentia e o que pensava. Ufa! Que adolescência maravilhosa foi a minha. Vivi aqueles tempos com suas sombras, seus desesperos, suas maluquices e loucuras, sem que site nenhum me exigisse recontá-las ao grande público – muito raramente uma carta para alguma amiga. Tomei muitos banhos de mar, sozinha e acompanhada, também tenho algumas fotos (como as tenho de hoje devidamente postadas nas redes), mas vivia tudo aquilo apenas para mim – e era muito bom.

Além de velha devo ser saudosista. Mas isto aqui não é sobre mim, é sobre elas. Sobre a juventude, sobre aquela idade que vai e não volta – nós é que tentamos emulá-la o tempo todo, ou de vez em quando. Talvez o primeiro sinal seja deixarmos de rir por rir, depois deixamos a segurança e passamos às obrigações e responsabilidades. Ah, meninas, ah!, se vocês soubessem o que eu sei! Tão fácil ser magra e ter a carne rija (romancistas adorarão) nessa idade. Tão fácil correr pro mar e nem se preocupar com o que ele nos fará. Tão mais fácil ainda rir-se de tudo e de todos quando os vinte parecem distantes. Tão fácil jogar-se para aprender alguma coisa sem medo de que nossos tombos virem piada para os outros. Tão fácil adentrar um caminho sem pensar e repensar mil vezes nas consequências – e se dará certo, pois não há preocupação com o “tempo a perder”. Tão fácil expor-se ao sol sem protetor solar. Tão fácil perder a hora. Tão fácil pois aquele riso grosseiro e desafiante o tempo todo no rosto.

O tempo pesa, mesmo quando se faz dele seu melhor amigo. E as meninas (não adianta, não perco o costume arrogante de chamar a todos os mais novos que eu de ainda mais novos) deixaram o celular junto ao monte de pertences e ficaram ainda por algum tempo dentro da água, a lutarem bravamente contra aquelas ondas audazes que se esgueiravam entre os barcos, a ilha, as pedras e viraram a praia do avesso. Aquele vento que me tocava a pele ainda pingando de água salgada e nos fazia a todos agradecer pelo refresco de um dia que raiou às beiras do calor do inferno. O tempo virava, as nuvens surgiam, e nenhum ali parecia querer abandonar o paraíso. Eu admiro em especial, diante do mar, ver o frio e o calor trocando de lugar. O mar sempre garante um espetáculo. Aquelas meninas poderiam dizimar num velho qualquer, como eu, a esperança e o ânimo de vida. Alguns a invejariam. Eu as admirava – e sentia vergonha dessa barriguinha flácida que me surgiu nos últimos tempos. A despeito do tempo que corre, também eu gosto de enganá-lo e forjar em mim o riso desavergonhado – mas não todo dia que já passei da idade. A tarde se ia, o friozinho chegava, alguns se retiravam do show, elas lá permaneciam alheias, como lhes é de direito, a tudo. E eu segui para casa, caminhando com os pés na areia – como parece que fiz durante minha vida inteira.

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