Quando eu penso na vaidade, aquela antiga da qual já não se fala mais…

Foi-se o tempo em que falávamos de vaidades. Hoje sobrou só a vaidade dos corpos de academia, unhas e cabelos pintados, roupas de marcas caras e famosas. Aquela vaidade interna, do ego, da alma e de onde mais ela se esconde, essa é coisa da Bíblia e dos velhos filósofos. Pois foi dela que me lembrei nos últimos dias. A vaidade, queridos, a vaidade… a que alimenta ferocidades, erros e estupidezes (sem fim). A vaidade de estar certo; a vaidade de estar com a razão, ser o dono da verdade; a vaidade de sentir-se esclarecido. Tudo aquilo que fazemos para mostrar quem somos (aquele “ser” tão diferente da realidade, mas o “ser” que queremos ser).

Eu tive um namorado, um bom tempo atrás, que me deu presentes caros. Nem tanto coisas que eu, era de conhecimento de todos, queria muito, mas coisas que nem tinham nada a ver comigo. Num aniversário, inclusive, ele me deu uma jóia. A cena foi cômica porque quando ele apareceu com o pacote (jóia é pacote evidente) eu gelei. Fiquei paralisada, não queria pegar porque na hora me ocorreu “é um anel, vai querer noivar, casar, sei lá, como digo que não na frente de todo mundo?”. Isso que o relacionamento ia bem, à época. Nada mais descabido de me presentear. Mas, o detalhe: na frente de todos. Com o tempo percebi que os presentes não eram “pra mim”, eram para que os outros soubessem o que ele havia me dado e para que ele convivesse com a idéia de ter me dado algo caro. Se eu gostei, usei e tal, nem importava. Isso me incomodou muito. Não foi difícil identificar nele (com a convivência e tal) uma pessoa que queria ter uma vida financeira acima da que ele tinha possibilidade – tornou-se uma obsessão e desencadeou, claro, numa frustração. Isso me incomodou muito mais.

Eis aí uma vaidade. Vaidade dessas que destroem, corroem e amargam. Me livrei do namorado. Não é do meu caráter viver uma vida de obsessão por ser outra pessoa, ter outra condição (e é sabido que gosto de namorar os desvalidos, dizem os fatos). É o ego a exigir que você pareça aos outros alguém que você gostaria de ser. Vide aí os inúmeros perfis de redes sociais, tanto os “sobre mim” que são preenchidos quanto as fotos e frases que nos levam a formar uma idéia da vida e da consciência que a pessoa tem. Esmagadora maioria é vida e caráter inventados (não passam no teste do “conhecer a mãe da pessoa” (é como se sabe dos podres e das verdades de alguém) ou do convívio na vida real). É a vaidade de parecer feliz; de ter uma boa vida; de fazer viagens sensacionais; de ser antenado e bem informado de tudo.

Apesar do “fora de moda” das vaidades, uma delas está todos os dias em todos os cantos. A vaidade do estar com a razão. Viraríamos cadáveres à espera de pessoas dizerem “errei”. Eu estou com a razão, como eu penso é a única forma passível de ser aceita e… dane-se. Estar com a razão é estar do lado certo, dos justiceiros e esclarecidos1, de perceber o mundo como os outros, pobres coitados, não conseguem. É algo bem diferente de definir o seu posicionamento: quando eu digo como eu penso, porque penso de tal modo, o que me leva a crer nisso e o que faz com que eu prefira tais conclusões. Os vaidosos são utópicos, acreditam em verdades e certezas. A vaidade impede-os de ver o mundo como ele é, inexato à razão humana.

A vaidade cega. Meu ex-namorado, vocês podem perguntar, nem vai saber dizer o que me levou a terminar com ele. Com algumas perguntas vocês talvez descubram que ele ainda age do mesmo modo nos relacionamentos. A vaidade não nos permite dizer que o outro também pode estar certo (o que nem invalidaria a nossa posição). Perspectivas diferentes, de certo que dão visões diferentes (que o digam os fotógrafos). As outras namoradas do meu ex provavelmente jamais pensaram como eu (vocês não vão achar uma que tenha tido o piripaque diante de uma caixinha de jóias!). Somos vítimas de vaidades diversas. Com alguma observação atenta é fácil identificar quais as nossas vaidades e as dos que nos cercam. Há até aqueles que têm vaidades “negativas”, os que se esforçam por desmerecer a si mesmos, os que se metem em situações das quais sabem que sairão faíscas e danos, etc. (também muitos desses povoam o mundo virtual).

A vaidade nos impede de conviver com os outros. Haja vaidade! Se mal sabemos quais as nossas, não vamos perceber as dos outros e o inferno é o que se vê. Eu estou certo; todos que pensam como eu, portanto, estão certos. Logo, os que pensam diferente de mim estão errados. É tão simples. Também eu que não me considero dona da verdade, ao me deparar com alguém que pensa algo que eu considero muito errado, terei a vaidade de, em vez de impor a minha (falta) de verdade, julgar o outro na sua (falta) de esclarecimento. Eu mesma pratico muito esta. É a vaidade da isenção, “não vejo como você, mas sei que o seu olhar está enganado”.

As vaidades não estão nos nossos olhos, por isso não as vemos no espelho. Elas estão entranhadas na alma. Só surgem quando somos nós mesmos (em ligações telefônicas, por exemplo, em atitudes precipitadas, entre as quatro paredes de casa, com quem confiamos) diante daquilo que tentamos parecer ser (em público, diante dos que nos amam, diante de desconhecidos). A vaidade é tão sanguessuga que ela não se dá conta de quando está dando bandeira, torna-se redundante, exibicionista e repetitiva: e é aí que tudo se esvai. Meu ex não me deu um ou dois presentes caros, foram alguns tantos e nenhum que não tenha sido anunciado aos quatro ventos; enquanto eu sabia da penúria dele em muitos daqueles dias.

Nada escapa a uma boa observação. Para isso é preciso ter olhos limpos e abertos. Enquanto adormecidos nas nossas vaidades e sujos da lama que dela prolifera, jamais saberemos dizer de quais vaidades padecemos. Pelo mesmo motivo também é difícil enxergar com quais vaidades os outros estão contaminados. Assim, atualizamos a vaidade conceitualmente e esquecemos no tempo aquilo que ela significava. Mas quem hoje viveria sem esconder-se nas suas vaidades?

1Ver Kant, sério. É o sentido mais exato ao qual me refiro.

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