Talvez lá entre preceitos religiosos, lições de vida e pensamentos positivos da indústria de auto-ajuda esteja a máxima: faça ao menos uma coisa na vida, que você faz muito bem, mas que não seja para você. E pratique sempre isso. No que você é bom? O que é que você faz que alcança um grau de excelência? Mas que o resultado ou os frutos disso não sejam para você. É importante observar isso. É essencial, eu diria. Você pode ser muito bom no teu trabalho, mas um trabalho que não é de ajuda ou serventia a ninguém que precise dele, e do lucro dele só você se beneficia. Não é este o caso.
No Brasil as pessoas não estudam. O brasileiro não dá valor ao conhecimento. Então é raro vermos boas pessoas valorizadas por se empenharem em fazer algo para o qual estudaram muito. Muito raro. Quem tem sucesso em alguma coisa é visando o status social, as posses, uma vida, diriam, confortável. O rico é invejado porque estamos num país onde todos queriam ser ricos. Nosso problema não é ter milhões de pobres e miseráveis. Não se almeja ser uma pessoa boa naquilo que faz. E que este teu fazer seja benéfico para outros.
Vejam só o juiz Moro. Estudou, especializou-se, foi para o exterior fazer um dos melhores cursos do mundo em desvendar lavagem de dinheiro. Claro que ele colherá os louros do trabalho dele, o status, a fama (coisa que nem é de praxe para juízes). Mas é um trabalho que, sim, visa o outro (seja o Estado, a população, etc.). E o cara é tratado como “um juiz de primeira instância” por um ex-presidente (que também usufrui de status e fama). E esse juiz de primeira instância está lá trabalhando e colocando empreiteiro corrupto na cadeia (essa acho que ainda não tínhamos visto). Ah, mas é um juizinho de primeira instância. Viu como a gente não valoriza o trabalho dos outros? Viu como a gente desmerece quem estuda e se empenha em ser bom naquilo que faz?
É como aquele aluno que entrega o trabalho na data certa, com pesquisa feita antes e tal. Aí no dia da entrega chega a turma do “deixei pra fazer na última hora e não deu”, o pessoal que nunca faz nada, e o professor altera a data da entrega pra facilitar justamente para os que, já se sabe, não fazem nada e não estão nem aí para estudar. É esse aluno que não vê o seu empenho, a sua busca pelo conhecimento, ser reconhecido. É esse aluno que vai começar a duvidar do valor de uma boa formação. Se nem o professor enaltece as qualidades de pontualidade e compromisso, por que um aluno se dará a este trabalho? Como incentivar um aluno a ser bom naquilo que ele fará pelo resto da vida? Valorizando-o desde o começo. E só se é bom naquilo que se faz com seriedade, comprometimento e organização.
Como os órgãos de trânsito da cidade. São pessoas que trabalham para a população. Portanto, presume-se que devem primar pela preocupação dos pedestres, motoristas e passageiros. Não deveriam colocar como preocupação metas de eleição, números e estatísticas. Pior ainda quando a equipe sequer entende do que faz e prejudica constantemente a população. Um engenheiro de trânsito, ou os técnicos que trabalham nisso, deveriam ser pessoas que se preocupam em fazer um bom trabalho, para os outros. Não para suas concepções, idealizações ou politicagens. Todo mundo conhece uma situação na qual uma mudança no trânsito prejudica todo um bairro, toda uma rua, todos os moradores e comerciantes do entorno. É justo o oposto daquilo que eu comentava no início.
E nós? Já sabemos o que fazemos muito bem e que é para o outro? Quantas pessoas passam a vida inteira sem nem pensar nisso? Todos nós somos muito bons em muitas coisas. Mas somos educados para que os benefícios dos nossos talentos sejam para nós mesmos. Nossa educação já vem toda viciada de maus hábitos. Não somos educados para o bem do próximo. É muito cristão isso? Claro. Mas é humano, qualquer ser humano pode pensar assim, até os mais capitalistas. Fazer algo para os outros não impede que você siga a sua vida, lucrando, tendo teus bens. Melhor ainda quando você une os dois, como o bom professor que se mantém com o seu salário e ao mesmo tempo faz aquilo que sabe fazer bem para, também, o bem do outro. Como um engenheiro de trânsito que estuda, entende bem daquilo que faz e atua na sua cidade para melhorar a vida dos outros. Como o guri talentoso que sempre quis ser arquiteto, se dedica a isso e faz boas casas para os outros. Talvez um detalhe é desapegar e entregar teu talento ao outro sem nada em troca. Se você cozinha muita bem, por que não oferecer essa boa refeição a quem passa fome? Se você é um excelente professor, por que não dar aulas de graça em cursos comunitários? Se você é um bom advogado, por que não oferecer seus serviços de vez em quando para quem precisa?
Minha mãe sempre disse que o brasileiro é bom só naquilo que faz mal: roubar, prejudicar, dar golpes. Parece uma sina, né? Por que temos pessoas que são boas em coisas ruins? Como os caras que, no desastre de Mariana, deram golpe com os tratores que ajudavam a recuperar as áreas afetadas? Por que tirar de quem mais precisa? Que nível de maucaratismo a pessoa precisa ter para roubar doações (de atingidos por enchentes, desastres, etc.)? E a maioria que faz isso é bom no que faz, comete crimes perfeitos. Assisto estarrecida a tudo isso. Não valorizar quem faz bem as coisas gera uma mentalidade de que o crime compensa.
Quando foi que perdemos a oportunidade de nos doar mais aos outros, sem conhecê-los ou sem esperar algo em troca? No máximo, aprendemos a fazer (por obrigação) pelos nossos pais, filhos, irmãos – e nem nisso temos nos saído bem, vide os casos de filhos e pais abandonados e maltratados. Enquanto o mal girar a roda, o caminho será ruim. Um dia eu disse aqui que amor é tempo. O Padre Bertino Weber disse, na missa do último domingo, “O egoísta nunca vai saber o valor profundo de uma liberdade”. Ficamos atados ao nosso egoísmo, querendo nosso salário, querendo o tempo todo de que dispomos só para nós (e nossas séries de TV), usufruindo solitários dos nossos talentos. Não sentimos nem o gostinho de sermos livres de nós mesmos. Pois não existe liberdade mais plena.
Deixemos o egoísmo transparecer na alegria inenarrável que é ver o sorriso de gratidão e reconhecimento que o outro nos oferece quando se depara com o nosso talento em forma de bem, para ele. Este egoísmo é perdoável.
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