As últimas palavras…

Um dia, numa dessas aulas sobre a escrita, o cara falou: experimenta cortar a última frase. E não é que o texto do rapaz que ouviu esta sugestão ficou muito melhor? Desde então, pois escrever é um ofício que não se ensina, mas decorre da vida e esta é lição e experimentação, eu penso nisso. Nunca tive muito problema com pontos finais, penso eu. O caos é sempre o título, no meu caso. Porém, volta e meia me deparo com essa formiguinha no pensamento: e se eu cortar a última frase?

Porque o fim é aquela hora que a gente quer sempre dizer o que não foi dito, ou reiterar o que a gente achou que não ficou claro, ou, sei lá, explicar alguma coisa que achou falha. Vejam vocês que a perguntinha incômoda pode ser feita em vários casos, até na vida. Quantas vezes a gente quis dizer algo a mais depois do último adeus? Fosse uma declaração ou um desaforo, fosse o que fosse. Não é só na escrita, nem na vida, no cinema também. E eu poderia, sim, passar o resto da vida aqui só escrevendo sobre a escrita, sobre cinema e sobre a vida – além dos mundos possíveis. Nada mais eu pediria do mundo.

Tenho um problema. Quando falam muito de um filme, mesmo que eu, a princípio, não tenha o menor interesse em assisti-lo (não é francês, não tem o Del Toro nem o Redford, não é dramalhão) eu acabo procurando ver se é tudo isso que estão falando. Quanto arrependimento, gente! Aí aconteceu isso com The Witch. Lá se foi meu tempo de assistir a filmes de terror (sempre preferi os bons suspenses), quando um namoradinho era louco por eles e assisti dos clássicos aos B. Mas, assisti. Inicialmente gostei de ser de época. Fora isso e umas três ou quatro cenas arrasadoras na dramaturgia, é ruim. A pior parte foi o roteirista não ter se perguntado: precisava da última sequência? Não precisava. O fim era a cena da menina que debruça-se sobre a mesa. Seria, no mínimo, um filme relevante.

E na vida? Sobre as últimas palavras, na vida, tenho um problema ainda maior. Sempre penso que deveria ter dito mais. Fossem os desaforos ou os amores. Num caso, disse tanto desaforo depois do último adeus que sei, hoje, que fiz errado. Em outro, quis muito, decorei o texto do que iria dizer, ensaiei mentalmente. E não disse. E, sabe, foi melhor assim. Eu, aliás, iria dizer. Mas escrevi no twitter esta minha ânsia e um sábio comentou que, se eram coisas boas, eu deveria dizê-las. Se não o fossem, melhor calá-las. E não é que é?

A última frase de um grande romance pode ser dispensável – e não são, justamente, grandes romances porque dispensaram-nas? A última frase de um conto, se ficar, sempre o tornará menor. A última cena de um filme será a sua glória para quem até ali não se convencera. A última sequência deitara tudo a perder. A toda hora não pensamos o suficiente em tudo o que dizemos aos outros. É a pressa, os problemas, a desatenção, o caos e as penúrias. Ou o descaso mesmo. Quando vier o último adeus, aí não podemos dar bobeira. Depois do último adeus é preciso que a gente saiba o bem que não deve ficar só no nosso coração, e o mal que deve ser deixado ao vento.

(quem sabe aqui eu deixaria alguma outra frase edificante ou levemente alegre após o suspeito desaparecimento do site – ainda sou crente dos não-ditos, dos vazios, das páginas em branco)

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