Imagem e semelhança

Gostava de acreditar em Deus. Pensava-o um ser grandioso, feliz, compreensível como nenhum outro seria capaz. Deus como um Pai, melhor do que todos os pais deste mundo juntos. Caminhava pelo mundo com os olhos atentos às obras e aos sinais: Deus existia. Tão difícil, porém, crer. Fácil era andar por aí e fiar-se na certeza das ciências, na força dos homens e nas causas e consequências. Já sabia, no entanto: se era vida, não havia de ser fácil. E preferia acreditar, em Deus.

E quem era Deus? Deus calculava nossos destinos, marcava a hora das nossas mortes, planejava bebês não esperados? Ouvia, afinal, todas as nossas preces? Sentava tardes inteiras a anotar nossos pecados e pecadilhos, dos mortais aos ínfimos esquecíveis? Tirava algumas horas para julga-nos aos céus ou ao inferno ou, quem sabe, ao purgatório? Era Deus este burocrata a policiar-nos a vida, a ter tanto tempo para quem a ele dedica tão pouco? Como Deus grandioso, se preocuparia com minhas sonolências, minha desatenção, minhas fraquezas da carne e do pensamento?

É Deus, o Deus acima de todas as coisas. Não nos vigia, não nos pune por mau comportamento. Existe sobre este mundo vil, ganancioso e curvado às mesquinharias. Pecamos com sua licença, encontramos a felicidade no improvável, com seu consentimento. Ele sabe que não deixamos de ser Seus filhos. Pouco fiéis, por certo, mas Seus. Os pés na terra, Deus sabe que nos afasta de qualquer santidade – só alguns poucos, Seus melhores filhos a alcançam. É nossa condição de carne e osso e sangue quente, não somos etéreos e grandiosos. Deus, porém, exige quase nada.

Ele exige que sejamos bons uns com os outros. Dos céus ou da terra, não parece evidente que o bem nos caiba na vida e nos seja exigido? E os bons agem bem – indissociável é. Se fosse Deus o contabilista por muitos imaginado, sermos bons e agirmos de acordo Lhe pouparia muito trabalho e horas de decepção conosco. Deus poderia tirar férias duas vezes por ano, descansaria na rede em noites tranquilas, teria mais tempo para observar Sua criação. O faríamos feliz – ainda mais.

O Deus deste novo paganismo é o Deus que queremos que se encaixe nos nossos planos de filhos infiéis, seres sujos do barro dos descaminhos que trilhamos porque víamos, ali, vantagens, sucessos e graças terrenas. Esquecemos com leviandade: somos nós à imagem e semelhança Dele; não o contrário. Deus não perdoa nossas faltas conscientes e más com relação ao próximo (das mais gratuitas às mais graves) porque ele conhece nossas fraquezas. Por conhecer nossas fraquezas Ele nos ampara em oração a sermos melhores – mesmo quando o teto nos cai sobre a cabeça e os braços pendem sem força.

Deus não nos exige filosofias nem enormes sacrifícios. Deus nos entrega os amores sem deixar um bilhete de felicitação. Deus é o ar que nos mantém em pé quando sentimos que não há mais saída. Deus é cada pedrinha no caminho, com elas construímos nossas ações sagradas em paz.

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