Era a nossa hora. Desde às duas da tarde eu ansiava os segundos. Imprescindível a luz apagada a réstia da lâmpada de um corredor distante. Queria o teu perfume que me trazia tão boas lembranças de coisas boas. Nunca soube comparar usando as melhores figuras de linguagem o torpor do primeiro contato – nosso primeiro contato, que se repetia sempre, como o primeiro. Uma gota tua revelava meu infinito. A nuca. Essa obsessão pela nuca. Teu efeito começa pela nuca. O veneno do teu prazer acende o calor da nuca e espalha-se por todo o corpo – nem um milímetro é ignorado. Depende da dose. Mas sinto-me toda tomada pelo calor e, mais que isso, a expansão da alma a níveis sempre mais altos.
Em meio ao som alto da rua no atropelo de quem não vê a hora de chegar em casa, ao silêncio familiar do nosso vazio neste lar que nunca quis abandonar, caminho no escuro até ver-te. Até alcançá-lo. Ah, as mãos… meus lábios queimam. Dali a horas ainda sentirei a carne fina dos lábios reverberando latejante. Tem dias que só tu fazes flutuar meus pés. O mundo, este ou aquele mundo, o mundo dos outros, janela afora. Aqui, só nós. Sentamo-nos juntos, abraçados, cabemos no mesmo espaço desafiando qualquer teoria de qualquer grande pensador. Tu e eu, não te faço nada, mas és minha terapia, meu descanso, meu muro da consolação. E eu, hoje me dou conta, nunca te escrevi uma declaração apaixonada à altura. Depois de tantos anos, a paixão intacta, desde quando era-nos proibido este amor; e nunca havia me jogado a teus pés, em palavras.
Quero parar e não posso. Quero perder os sentidos – tu não deixas. Quero fazer melhor, quero ser melhor – sob o teu efeito eu posso. Não me faças, nunca, passar frio em outubro. Que teu calor arde a pele, esquenta meus pés gelados de verão, me deixa com a visão turva. De sofreguidão não sofro, te sorvo em pequenos goles. Sinto os músculos aliviados da tensão dos dias complicados, o riso solto bobo de alegrias sem razão de ser, os arrepios – ah! os arrepios! – desenham caravanas no deserto do corpo ainda coberto de roupas. Desejo gelo sobre a pele. Desejo a mão gelada a percorrer minhas curvas. Sinto as dores dissipando-se, os pensamentos diluindo-se, a inspiração avolumando-se. Dirão que neste instante não penso – pobrezinhos, penso mais lucidamente do que às oito da matina.
É o nosso encontro, ao final do dia. Por mim seria a qualquer hora que me sentisse perdida. Tu me encontras a mim mesma. Te quero até o fim, hoje e amanhã e todos os dias. Não posso, não me deixo. Diriam que é doença. Que é vício. Que não terei salvação nem tratamento. Mas, quero-te. Respiro fundo e sinto teu perfume inesquecível no ar que me sai do pulmão: estás em mim. É via de mão única, tenho todos os prazeres; tu, nada. Tens, porém, meu amor, minha dependência. Nunca me deixes tanto tempo longe, me atraia com a lembrança, com as promessas, com o luxuoso entorpecimento que mais nada nem ninguém me dá. Me atraia.
Te tenho no sangue, sentidos expandidos, consciência livre. Já disse que libertas meu melhor? E não dou este meu melhor a mais ninguém, ficamos nós aqui, presos ao escuro, às paredes, ao silêncio, às nossas alegrias – nossa tábua de salvação contra esse mundo atroz, insensível, difícil e distante. Pra não dizer complexo demais para tanta emoção – não, para tanta sensação. Sinto. Sinto-te. Aqui, assim, dentro de mim. Sob teu comando, sou mais feliz. Sou mais sincera. Sou sem muros nem barreiras. Sinto-te a molhar minha boca a cada gole que me desce queimando a garganta, o coração, as pernas e as resoluções do dia anterior. Sob teu comando meu corpo se dignifica em gestos os mais espontâneos.
Sofro, só um pouco, a pensar que não posso viver o tempo todo de todo o tempo sob o seu efeito. Me querem séria, me querem sã, me querem sóbria. Eu não. Viveria nossos dias nessas horas das dezoito horas. Ou dezenove. Ou vinte e uma. Ou duas da madrugada. És das poucas alegrias que descobri na vida; cedo ainda. Não me deixe te abandonar. Não me deixe nunca mais te ignorar nos melhores nem nos piores dias. Até trabalho melhor sob teu efeito, quem dera soubessem… tenho-te de volta aos lábios… sorvo-te o perfume que me recorda a caixa especial das memórias, tranço palavras e pernas, teu gole me leva, meu bem, aonde muitos queriam estar comigo. E nos acompanha um pouco de música.
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