O mar é tipo gente, tem seus bons e maus dias. Alguém, ou eu mesma, já deve ter dito isso. Tem dia que ele está lá, de boa, tranquilão. Porque até os mais estressados e ranzinzas têm seus dias de paz, não é? Aí tem dias que até a mais bela enseada se atira contra a orla em desespero e ímpetos de raiva. Às vezes foi uma noite mal dormida na companhia de uma tempestade. Eu não sei direito porque a tempestade e o mar não se dão, é toda vez que se encontram um tal de discutirem que, olha, não é pouca coisa. Talvez algum desentendimento do passado, daqueles que voltam sempre à tona das amarguras quando se encontram. Eu bem que queria saber.
Ontem foi assim. Cheguei na areia da praia cheia de maus pensamentos, querendo sangue. E me deparei com o mar a expulsar qualquer engraçadinho que quisesse nele adentrar. Não estava pra peixe, nem pra água-viva, nem pra alga, nem pra gente nem nada. Parecia mesmo querer ficar sozinho. Queria desvencilhar-se de tudo o que se aproximava. Eu é que não dei bobeira, fiquei quietinha, acalmando o instinto destruidor sentada na areia. A gente baixa a bola quando se depara com alguém em situação pior, né? O mar não me quis. O mar debulhava-se num intenso vento leste a proclamar suas revoltas. Não estávamos, então, num bom dia.
Mas como ficar mal diante dele? Como deixar que velhos costumes e inseguranças traiam os bons momentos da vida, ali a olhá-lo tão próximo? Impossível. A raiva dele escoou meu mau momento, levou-o embora consigo em ondas enormes. Despedaçou minhas bobagens de guria impulsiva como fez com as tábuas de alguma embarcação que ele atirou contra a praia. A areia povoava-se de restos de naufrágios, de todos nós que éramos repelidos por ele. Definitivamente ele não queria nossa companhia.
É sempre difícil deixá-lo – confesso. É difícil dizer-lhe um até amanhã – seja ou não o amanhã uma certeza. É ele que preenche meu coração. É nele que eu desejo pousar meus olhos. E, talvez, seus dias imprevisíveis seja o que mais me atrai a essa imensidão. É preciso atentar para as marés, para os ventos, para as fases da lua e tudo o mais. Mas é imprescindível estreitar a atenção e decifrar-lhe as vontades, seus amores e suas raivas. E continuarei a voltar todos os dias que puder, para enamorar-me deste mistério…
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