O dia vai escurecendo e o vento sublinha as tentações da preguiça. Já vivemos tanto, já trabalhamos tanto. A vida, por vezes, assemelha-se à árvore desfolhada pelo inverno que vejo todos os dias pela janela. Sem sintomas de nenhuma patologia grave, queremos apenas o aconchego. Ou um chamego no aconchego. Mas dentre horários e agendas não há previsão para imprevistos do tipo: agora me cairia bem jogar-me no sofá, comer biscoitos, rir e conversar. Certeza que todo resto renderia brilhantemente depois dessas interrupções, mas ninguém confiaria.
É que nos preveem máquinas a trabalhar feito formiguinhas impulsionando a roda gigante da economia. Não nos enxergam nas nossas fraquezas e pele e osso que envelhecem e sustentam uma cabeça pesada e um coração incansável. Nos preveem rendimentos e sustentos, obrigações e responsabilidades. Nos preveem números e horários. Dizem, já faz tempo, que assim é melhor para todos e a melhor forma encontrada para manter o mundo de pé. Enquanto nós já não aguentamos as dores nas costas.
A legitimidade da preguiça até pelas religiões foi contestada. Por deuses e pelos homens a preguiça é condenada. Pobre preguiça. A única coisa que ela quer é não fazer nada. É tão de boa que nem a revoltar-se ela se digna. Não é o abuso, o excesso, a vagabundice. É só a preguiça, a rebeldia passageira da rotina, a noite mal dormida, o cansaço fora de dia. É querer o abraço quente na noite fria, o almoço demorado, a caminhada em tardes de sol. Não é sempre que essas vontades se dão aos finais de semana, no dia de folga ou quando já batemos o cartão de saída.
Tem dias que é só assim, mesmo. A preguiça, esse sentimento que nos dá liberdade de ser quem somos quando queremos. A preguiça é poder. A preguiça é genuinamente humana (e felina, e canina…) porque nos percebe não-máquinas, não-instrumentos. A preguiça legitima nossas personalidades e nos dá o tempo que precisamos – como o olhar que dei pela janela antes das primeiras destas linhas. Aos nossos corpos não existe a necessidade de exauri-lo em busca de riquezas para os outros.
De todos os sentimentos, a preguiça é a que mais precisa ser restituída ao seu devido lugar. O do sofá, é claro.
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