Não é de hoje que eu digo que o cinema francês é o melhor em lidar com suas questões contemporâneas. E nem precisaria ser eu a dizer. Todos os “problemas” sociais, questões pertinentes para o presente são tratadas com faca afiada pelos melhores diretores e roteiristas. Na pauta dos últimos temas estavam o desemprego, a imigração e agora a presença do terrorismo.
Talvez seja de mau gosto a comparação, mas é interessante. Se fosse os EUA a sofrer os últimos ataques desde o do Charlie Hebdo, teríamos no cinema a recriação da História encenando os fatos e, claro, teríamos os heróis americanos, os dramas do povo em luta pela sua liberdade. O cinema focaria na sequência dos fatos ocorridos e teriam um prato cheio para um filme de ação com o atropelamento em massa de Nice ou o massacre no Bataclan.
Porém, para o cinema francês a preocupação é outra. Foi recentemente veiculado na TV francesa um filme (feito para a TV) sobre uma mãe que descobre que a filha estudiosa está recrutada pelo Estado Islâmico. O drama tem alguns problemas, é claro. Mas segue o padrão filme para TV e tem claramente a intenção (todo cinema tem) de ser pedagógico, para instruir os pais. Existem lá programas e associações para pais “órfãos” de filhos que seguiram para se juntar ao Estado Islâmico. O ponto forte do filme é mostrar que esses jovens enganam bem todos a sua volta (pais são, no geral, bem desatentos) e evita o preconceito mostrando que são ricos, inteligentes e estudiosos.
Nas escolhas dos países para a indicação a Oscar estrangeiro figura o holandês que trata da mesma questão. Infelizmente há uma maioria de escolhas nacionais focadas no político, nas questões de gênero principalmente. Uma jovem também é recrutada e se casa pela internet com outro jovem que já está na jihad. Neste, porém, a jovem chega a ir para o Oriente Médio. Lá ela descobre que o seu ímpeto de lutar e defender seus novos valores e povo serão tolhidos por leis e regras ainda mais severas.
O Oscar não gosta muito de filmes políticos para a categoria de Estrangeiros (talvez achem que em termos políticos eles podem fazer melhor, com seus diretores que inventam histórias para tratar dos temas atuais sem dizer uma única palavra sobre tal: parece até que há algum tipo de censura). No começo imaginei que o holandês seria uma boa opção, afinal a luta contra o terrorismo, segundo os americanos, é deles. Porém, o filme traça um perfil que responsabiliza os pais (descendentes de país e com origens no Oriente Médio e África) de se afastarem da religião e dos seus valores, criando, assim, uma ruptura que faz falta aos seus filhos – ao se sentirem oprimidos pelas leis e preconceitos por terem a pele mais escura ou pertencerem ao islamismo tornam-se alvo fácil dos recrutadores e seu discurso de liberdade e defesa do próprio povo. O filme não culpabiliza os jovens por serem tão inocentes e criminosos de aceitarem explodir pessoas inocentes. Os jovens recrutados são vítimas de uma sociedade ocidentalizada (mesmo os “recém” chegados) que discrimina e não dá espaço nem valoriza valores que estão no sangue deles, como vítimas de não poder usar seu véu ou reunirem-se em espaços públicos, eles decidem revidar, encontram na religião o amparo que não têm nem em casa.
Desta forma, parece-me que o holandês não será um dos indicados. Porque o discurso não só é politizado como bate de frente com os ideais americanos. No caso francês o filme foi um sucesso exibido na TV em seguida de um programa que procurava instruir pais de como identificar os sinais de recrutamento nos filhos. Didático, pedagógico, alarmista (neste ponto quase americano). O indicado da França para o Oscar? Um filme sobre direitos homossexuais (ainda não assisti, portanto sem comentários). Poucas chances tem o suíço, apesar de ser um filme divertido e necessário; o sul-coreano, com toda a qualidade dos filmes de lá e que nós amamos, retrata um fato histórico com muito drama e heroísmo (boas chances, do ponto de vista americano).
A diferença entre o cinema francês e o americano não é apenas a forma como trata sua história recente, é claro. Mas isso diz muito de ambos. Os cinemas nacionais (para além dos EUA) têm muito a mostrar e a nos fazer entender sobre o mundo e a nós mesmos. Porém, comercialmente, etc etc etc. Cinema é contemporâneo, a história do agora é inerente a ele – mesmo quando faz releituras sobre fatos do passado. E é só uma das coisas que faz do cinema a arte mais apaixonante de todos os tempos.
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