Estava eu na tal sala VIP quando entram duas senhoras (lá pelos finais dos quarenta). Fiquei observando curiosa, não eram, definitivamente, frequentadoras do local.
Uma delas vai até o balcão e num português afrancesado e dificultoso solta algumas perguntas. A atendente se bate para responder e logo aparece um incrivelmente solícito fiscal. Eles estavam tentando explicar para ela (em um português razoável) que os bilhetes de passagem continham um horário, é verdade, mas que na prática pouco importava. Num primeiro momento ela parecia incrédula. Agora já não era mais um problema de comunicação: ela havia entendido, só não acreditava. De incrédula ela passou para indignada e ao relatar a conversa com a sua companheira de viagem soltou alguns impropérios: aquilo era inadmissível!
Eu ali me divertia com a cena, afinal na França e em vários lugares do mundo, quando um ônibus ou trem tem um horário determinado no seu bilhete deve ser por algum motivo.
O fiscal (figura que surgiu do nada neste dia) ficou saltitante de um lado ao outro da rodoviária. Logo veio ele com uma turista americana e num inglês pífio tentou entender as dúvidas dela. Enquanto isso, o ônibus (Joinville – Florianópolis, na verdade a linha é Curitiba – Florianópolis) que nem tinha horário não aparecia.
Quando já estavam todos embarcando, finalmente, as turistas francesas deram o bilhete ao motorista que soltou um “merci” ao devolvê-lo. Eu ali, observando. Nisso, vem o fiscal (que passava instruções aos que atendiam a moça que falava inglês) solícito e pergunta ao motorista: tu vai além do merci? (visivelmente empolgado) E antes mesmo da resposta: porque eu só sei dizer que não sei falar francês. E disse uma frase incompreensível em algum idioma imaginário.
Sim, eu ali me divertia e embarquei no ônibus.
Passou um tempo fui até lá atrás pegar uma água e ir ao banheiro. Quando estou voltando vejo a francesa semi-letrada em português em pé no corredor sobre a outra e falando com um moço (com uma camisa amarela de doer os olhos) que lhes mostrava o mapa da Ilha no celular. Bem, eu fiquei ali parada me divertindo um pouco mais.
O rapaz, para mostrar serviço, falava em espanhol. Uma francesa que não entende nada nem de espanhol nem de português, um rapaz com um espanhol doloroso e um português talvez ainda pior e outra francesa que de espanhol não sabia nada mas arranhava no português. Ou seja, o diálogo era interessante. Ele falava da praia Mole (ih, moço…) e discorria sobre as maravilhas da “uma cidade pequeña dentro de la cidade”, ou seja, a Lagoa da Conceição. A francesa a perguntar sobre distâncias e a afirmar que não tinha problema porque elas caminhavam bastante.
Tenho dificuldade em reproduzir as falas do moço solícito que achava que estava falando espanhol. mas garanto que me diverti muito. Sobre os atrativos da Ilha, então… Ah, melhor ainda quando ele tentou explicar a relação “Estado de Santa Catarina”, “Ilha de Santa Catarina”, províncias e sabe mais Deus o quê.
Sim, pessoas, eu fiquei ali em pé admirando a cena.
Ao que a francesa que estava em pé disse um “merci” e mexeu-se para sentar. O moço ainda pergunta já meio esgoelado “e o que eu respondo quando você diz merci?!” (quase que eu respondo, “diz que vai se matricular num curso de francês, oras!”). E, claro, lá vem o enjôo apocalíptico do francês: très bien!
Mas o choque foi a aproximação da francesa… oh, God! Na França não faz calor, não? A fama tem justificativa! Sério, eu fiquei enjoada com o fudum que vinha daquela mulher. Uma náusea tomou conta de mim e pela cara de algumas pessoas em volta eu não era a única a passar mal!
Tranquei a respiração e me dirigi ao meu banco.
Fiquei pensando nas notícias e estatísticas que tenho visto por aí: 1. Santa Catarina será o segundo Estado a receber mais turistas estrangeiros; 2. Santa Catarina foi eleito o melhor Estado para Turismo do País, pelo quinto ano consecutivo; 3. Receberemos cerca de 5,5 milhões de turistas, 1 milhão só na Ilha.
Então, é para ficar orgulhoso, alegre ou temer?
São questões tão simples: não é so título, não é só número. Tem que receber bem, ter estrutura (palavra inexistente no dicionário do brasileiro), estar preparado.
Eu já trabalhei com turista estrangeiro na Ilha e digo: são explorados e sofrem com a falta de comunicação e desinformação. Não gostam da maioria dos nossos serviços, enquanto os donos de hotéis, restaurantes e afins aqui aproveitam para cobrar muito, muito mais caro deles!
É lamentável ter poucos profissionais que dominem (eu disse dominar, não arranhar) outros idiomas (para além do espanhol e do inglês então…) e tanto descaso com o turista que é visto apenas como o que mais gasta. Hoje mesmo encontrei turistas sul-americanos numa loja de calçados que eu frequento. Todo ano eles aparecem, muitos ficam deslumbrados com o nosso comércio. E eu sempre observo como são tratados mal, como não são compreendidos e como são vergonhosamente explorados.
E não pensem que é descaso ou mal profissionalismo (tema para um próximo post) do funcionário! Isso vem de cima, vem dos donos dos comércios, hotéis, etc.. Uma vez eu recebi um casal inglês que foi parar numa pousada que não era onde eles deveriam ter ido, erro do motorista do táxi. Mas eles só perceberam isso depois porque uns amigos haviam combinado de ficarem todos no mesmo hotel e quando chegaram no correto entraram em contato com eles. O casal então tentou cancelar o check in (cerca de vinte minutos depois) com uma funcionária, mas veio a ordem da dona do hotel em não permitir. O valor, inclusive, deste hotel era absurdamente mais alto. O que aconteceu? Eles ficaram no hotel errado, pagaram muito caro, tiveram gastos a mais de deslocamento, e ainda faltou luz a noite toda. Mosquitos, calor… Uma imagem linda para uma diária acima de quinhentos reais.
Conheci outros casos. Alguns realmente não se importam em pagar caro. É até triste ver que eles esperam não encontrar alguém que consiga se comunicar com eles!
Eu gosto muito de Santa Catarina. Tenho orgulho de ver o Estado merecidamente destacado no turismo. Mas lamento tudo isso. Lamento a falta de um “a mais” nos profissionais da área. Turismo não é exploração. Não sei o que tem sido ensinado nas muitas (hoje são inúmeras, quando eu fiz vestibular até cogitei pois estava em voga) escolas e faculdades de turismo por aqui.
Achei, inclusive, uma afronta do governo federal levar a Copa mais para o nordeste do que para cá. Todos sabem que o nordeste perdeu o seu posto de pai do turismo no Brasil. Lá foi assim: uma dúzia de investidores estrangeiros, muita estratégia de marketing, preços altíssimos, badalação e jogaram a pobreza pro lado. Os pacotes CVC da vida sugaram o que puderam (a estratégia é simples: você investe aqui, constrói seu hotel, a CVC manda quantidades absurdas de turistas) e hoje os preços despencaram porque está tudo sucateado. Rio de Janeiro e São Paulo já são auto-sustentáveis, mas também vêem Santa Catarina como uma ameaça. Como pode um estadinho lá do Sul querer desbancar os grandes nomes do turismo do país? E aí já começou a retaliação, a ignorância. O governo federal nunca foi por Santa Catarina. Nem os políticos do Estado. Volto a dizer: não temos representatividade a nível federal (e não vejo perspectiva de termos, mas sinto que é essencial). O Estado por si, por suas belezas e seu povo, pelo trabalho desse povo, conquista o que pode. Mas sofrerá sempre com o descaso.
Agora, o que não pode é perder a oportunidade que alcançou. O turismo é só mais uma vocação do Estado. Sempre fizemos muito mais e chegamos àquilo que não era tão explorado e visado até pouco tempo. Belezas nunca nos faltaram. Mas ainda nos faltam muitas coisas!
Fahya,
Adorei!!! Me diverti imaginando você na cena do acontecimento. hehe
Esse post, parece aquele trecho de livro que você não consegue parar de ler. =D
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😀
Minha leitora mais assídua!
😉
E a cena foi bem divertida! Imagina eu só parada observando com um sorriso tosco na cara!
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hahaha… Me diverti com o texto! E fiquei curiosa; falas francês?!
Não gosto de sermos pólo de turismo tão visado. Realmente falta quase tudo por aqui, inclusive educação e conhecimento das línguas! E por mais que façamos nossa parte, não muda muita coisa, né… Só resta rir!
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Meu francês engatinha, na verdade mais compreendo por ter ouvido minha avó! Acho que ainda precisa muita coisa, senão acabaremos como o nordeste, sofrendo as consequências do turismo exploratório e não gerando nenhum lucro real ou preservação.
E garanto: eu parada assistindo essas histórias é bem divertido!
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